Manifesto do RH prático

Você conhece o Manifesto Ágil e o Manifesto do RH Ágil? Eles existem para expressar uma forma de pensar nova, em contraponto às formas tradicionais. Pois é… Por isso eu construí o meu próprio manifesto, para expressar a forma como acredito que o RH deve ser e em que nossa prática deve ser pautada.

Mais  “por que fazemos isso?” e menos “sempre fizemos assim”.

Mais pesquisa com os nossos clientes e menos decisões de portas fechadas.

Mais agilidade e tomada de risco calculadas e menos processos burocráticos e difíceis de mudar.

Mais “como posso fazer parte do negócio” e menos “não me chamam para falar sobre isso”.

Mais “como eu demonstro em números” e menos “não tem como medir”.

Um RH deve ter, no centro do seu coração, a habilidade de questionar e refletir constantemente sobre as práticas realizadas dentro da organização. Não podemos ser as pessoas que respondem que é assim porque sempre foi assim

Nosso papel é entender os processos, as motivações por trás das decisões e os valores que estão pautando cada uma delas. E ajudar com que os decisores também compreendam isso. Quantas vezes um líder toma uma decisão que contraria os valores dele mesmo e da organização? Por que isso acontece? É uma decisão prática pautada em resultados? É um processo que está ruim? 

Nem sempre vamos conseguir (ou precisar) mudar o que está posto, mas devemos propor a reflexão sempre. Só vamos passar de executores para estrategistas quando estivermos na posição de questionadores.

E isso vale para nossos próprios processos! Estamos checando se eles fazem sentido? Se estamos atingindo nossos objetivos? Nos guiando por nossos valores? Estamos atendendo nossos clientes?

Essas são importantes perguntas e isso se reflete no segundo ponto do manifesto. É comum que a área do RH planeje suas ações a partir do que considera o mais adequado ou imagina que as pessoas desejam. Vamos pensar no RH como uma empresa: as empresas verdadeiramente prósperas escutam seu cliente. Por que não podemos nos apropriar das técnicas de escuta dos clientes utilizadas nas áreas de produtos? 

Cito aqui ótimos exemplos da minha prática que já apliquei no mundo real, para além da clássica pesquisa de clima: 

-NPS/Pesquisa de satisfação de processo seletivo (com os candidatos) e ações de endomarketing; 

-pesquisa sobre motivos de desistência de processo seletivo com pessoas que não quiseram seguir na seleção; 

-testes de resultados com diferentes descrições e formatos de processo seletivo; 

-comitês de discussão com colaboradores para decisão de investimentos na área de RH.

Não tente adivinhar o que as pessoas querem. Simplesmente pergunte.

Outro ponto muito importante é a construção de processos estratégicos, que em sua maioria das vezes é moroso e pouco pautado em experimentação. Vamos exemplificar com uma avaliação de desempenho. É claro que devemos ser muito cuidadosos com como vamos desenhar um processo como esse. Ainda assim podemos pensar de forma incremental, implementando partes da avaliação em cada ciclo, ajustando o processo com os aprendizados que tivemos. 

Outro bom exemplo que já passei mais de uma vez: os colaboradores perguntam sobre a descrição dos seus cargos. Por trás dessa pergunta, o real interesse é de entender como se pode fazer melhor o trabalho e como se pode crescer. A descrição do cargo é só a forma como as pessoas acham que chegarão em seu desenvolvimento. 

Você acredita que esse processo é essencial para o desenvolvimento da organização? Essencial é as pessoas saberem o que é esperado delas. Pode não ser através deste modelo formal. Vivi o cenário de startups em crescimento e constantes mudanças. O trabalho de descrição dos cargos desatualizava rapidamente e não acompanhava a realidade. Decidi que não ia mais focar nele. Na última startup, nem fiz. Concentrei em treinar as lideranças para que elas soubessem responder o que era esperado de cada um. Promovi o acompanhamento constante dos liderados. Ninguém sentiu falta da descrição de cargos, porque o problema real era saber o que se esperava delas. 

Precisamos compreender o que realmente gera valor e pensar sobre como criamos processos orgânicos, incrementais e de acordo com o ritmo da organização. A descrição de cargos funciona num cenário mais estável e é útil e importante. Mas nenhuma ferramenta serve para todas as situações. Não se apaixone por soluções, descubra os problemas reais e se apaixone por resolvê-los.

Tudo isso que trouxe até aqui se reflete no lugar que ocupamos (ou não ocupamos) dentro da organização. Quando nossa prática é desconectada, não vamos ser chamados para a estratégia do negócio. Temos muitas barreiras a quebrar, mas como RH devemos fazer a nossa parte! Compreender como o negócio da nossa organização funciona e não limitar a nossa prática à seleção e ao engajamento do time. 

E, principalmente, não esperar para participar das conversas de negócio. Uma vez, durante uma decisão sobre corte de time, meu líder conversou com uma liderança da área vários dias antes de falar comigo. Quando ele me contou, expressei meu incômodo de a outra pessoa saber antes. Ele me respondeu que ela foi até ele perguntar. 

E a verdade é que eu sabia que aquela decisão estava vindo, mas esperei me contarem. Assim como esperei me chamarem para fóruns de discussão sobre estratégia e time em diversas ocasiões. E, como esse exemplo prova, às vezes a gente deve perguntar e expressar nossas expectativas. Acho que devemos ser ativos em buscar os espaços e refletir como podemos nos inserir e contribuir.

Deixei, por último, um ponto muito importante: RH tem métrica. Quem não mede, não gerencia. Essa é uma máxima da administração que devemos levar conosco! O que eu mais vejo é RH que sabe o problema que tá rolando, mas não consegue convencer a liderança. Sabe quando o processo seletivo tá dando errado e vemos que “todo mundo” desiste na etapa X? Ou dizemos “é óbvio que o teste tá com problema, ninguém passa”. Ninguém, quantos? Não basta trazer uma análise coerente, ela deve ser pautada em fatos mensuráveis: quantos não passaram? Qual critério mais reprova? 

O mesmo vale para questões de engajamento: temos uma pesquisa na área para trazer como as pessoas estão percebendo a empresa? Como a liderança é vista? Nossos maiores aliados são as pesquisas. 

Não precisa sair medindo tudo. Se você não tem um problema de absenteísmo, não precisa medir. Mas pensa por aí quais os problemas que você enfrenta e como você pode buscar medir ele? Ah, e chama os outros gestores para pensar com você. A verdade é que nossas empresas são ricas de pessoas que resolvem problemas como esse todos os dias (“como eu compreendo essa jornada aqui?”, “como eu posso medir melhor os problemas dos clientes?”). 

Meu sonho é construir RHs melhores pelo Brasil. RHs que são o centro da mudança que as organizações precisam. RHs que não ficam presos ao que está nos livros, mas focam na realidade que se coloca à frente deles.

Tem gente que prefere a teoria. Tem gente que prefere a prática. Eu prefiro um problema resolvido.